A experiência dos adventistas como minoria religiosa levou a igreja a criar a mais antiga entidade mundial em defesa do direito de crença.
"Um momento decisivo na história dos Estados Unidos."Assim é comumente descrita a Feira Mundial de Chicago,uma megaexposição universal montada em 1893 para celebrar o progresso tecnológico da Améria e os 400 anos da chegada de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo (1492).Ao longo dos seis meses em que permaneceu aberta,mais de 27 milhões de pessoas pagaram ingresso para visitar as instalações temporárias espalhadas por uma área de 280 hectares e que contavam com nada menos que 200 prédios em estilo ceoclássico,representando a cultura de 46 nações diferentes.A exposição mundiao de Chicago definiu a cultura americana de muitas maneiras.Mas um debate iniciado ainda bem antes de os portões serem abertos tornou pública uma luta que,125 anos depois,continua mais viva do que nunca:a defesa da liberdade religiosa.
A ideia de um evento que promovosse a unidade social se tornando um problema para uma minoria religiosa daquele tempo.Quando o Congresso americano destinou recursos públicos para a organização da feira,estipulou também que os portões deveriam permanecer fechados aos domingos,dia de descando da maioria cristã.Para os adventistas do sétimo dia,a ação do governo estava derrubando uma barreira quase sagrada de separação entre Igreja e Estado.Mais do que isso,representava uma ameaça de estabelecimento de uma religião nacional.Antes e durante os primeiros meses da feira,os adventistas lutaram por meio da publicação de livros,bem como pelo debate político,para reverter a ordem federal.Como reflexo,naquele mesmo ano nasceu a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla,na sigla em inglês),a mais antiga entidade mundial em defesa dessa bandeira.
A história dos adventistas do sétimo dia na defesa da liberdade religiosa,no entanto,não começou em 1893 com o estabelecimento da Irla,uma versão,como o próprio nome diz,mais ampla do que a Associação Nacional de Liberdade Religiosa criada em 1889,em reunião realizada no Tabernáculo Adventista de Battle Creek,Michigan.Na declaração assinada pelos 110 membros fundadores lia-se:"Negamos o direito de qualquer governo civil ligislar em questões religiosa.Acreditamos que é o direito,e deve ser o privilégio de cada homem,adorar de acordo com os ditames de sua própria consciência."Uma declaração que reafirma o entendimento histórico dos adventistas de que a liberdade de escolha é uma expressão do caráter e do amor de Deus.
Para os adventistas,a liberdade religiosa tem um forte fundamento bíblico,histórico e teológico,além de uma importante dimensão escatológica.O primeiro artigo sobre este tópico foi escrito pelo pioneiro Hohn N. Andrews,ainda em 1851.Em meio à Guerra Civil e diante da posição dos adventistas de se definirem como não combatentes,em 1864,Andrews,que hoje dá nome à principal universidade adventista no mundo,estabeleceu a ligação entre liberdade religiosa e o que chamamos hoje de "direitos humanos".Alguns anos depois,os adventistas novamente se opuseram à aprovação de ligislação religiosa,especialmente de leis dominicais,invocando sempre a liberdade de consciência.Em 1888,por exemplo,o senador H. W. Blair,da Pensilvânia,apresentou uma proposta que proibia em nível nacional o trabalho ou divertimento aos domingos.antes e depois dessa tentativa fracassada,diversos estados americanos chagaram a punir com prisão os cidadãos que violassem leis locais semelhantes.
A então pequena Igreja Adventista do Sétimo Dia fez a diferença ao se opor às chamadas leis dominicais.Como observadores do sábado,os adventistas veem qualquer ação do Estado para impor outro dia de descanso como uma forte violação da liberdade religiosa,o que nos Estados Unidos,onde a igreja nasceu,é uma traição à Primeira Emenda da Constituição.
Em 1890,a então Associação Nacional de Liberdade Religiosa chegou a reunir 250 mil assinaturas de parte considerável da população americana,que apoiou a iniciativa da igreja contra a legislação americanda,que apoiou a iniciativa da igreja contra a legislação religiosa que trabmitava no Senado e na Câmara.Como já vimos,à medida que as atividades da ssociação se espalharam para outros países ao redor do mundo,a iniciativa passou finalmente a ser conhecida pelo nome que mantém até hoje,Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla).Mais tarde,ela ganhou representações em todos os continentes,uma vez que os diretores do Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa de cada uma das 13 sedes continentais da Igreja Adventista (chamadas de Divisões) atuam como secretários da Irla em cada uma dessas regiões administrativas.
Antes da 2ª Guerra Mundial,a Irla já incentivava a criação de Associações nacionais e regionais como a do Canadá,Austrália,Filipinas e Europa.Já durante o período da guerra as atividades tiveram que se limitar a iniciativas menos visíveis.A partir de 1946,um passo significativo foi dado,quando a organização adotou o conceito de associação independente.
Após a 2ª Guerra Mundial,a Irla abriu a possibilidade de adesão àqueles que não eram adventistas do sétimo dia,mas que compartilhavam a mesma visão de liberdade religiosa.A entidade também facilitou a organização ou a reorganização de associações parceiras em todo o mundo,a exemplo da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR)na Europa.Sob a liderança do Dr.Jean Nussbaum,a AIDLR publicou em francês a revista Conscience et Liberté,que foi traduzida para várias línguas e tornou-se um dos melhores recursos nessa área.A AIDLR recebeu o apoio da Sra. Eleanor Roosevelt,que concordou em ser sua primeira Presidente de Honra em 1946,seguida do Dr. Albert Schweitzer,vencedor do Prêmio Nobel da Paz.Entre 1972 e 1976,quem liderou a AIDLR foi o jurista René Cassin,Nobel da Paz em 1968.Cassin também foi um dos inspiradores da Declaração Universal dos Direitos Humanos,em 1948.
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos,a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Crença,proclamada em 1981,e vários documentos internacionais que se seguiram,a liberdade religiosa recebeu o rótulo oficial dos direitos humanos.Esses avanços facilitaram e encorajaram o trabalho da Irla e da AIDLR.Ambas obtiveram credibilidade e visibilidade na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unicdas e foram capazes de acolher outros representates religiosos,além dos adventistas do sétimo dia,em suas fileiras.
A Irla também construiu sua tradição através de congressos mundiais.Os três primeiros (em Amsterdã,em 1977,Roma em 1984,e Londres,em 1989),foram intencionalmente realizados na Europa e ofereceram a possibilidade de convite a funcionários dos governos do Oriente,criando oportunidades de desenvolvimento de atividade diplomática e tornando a causa da liberdade visível também nos territórios de regime comunista.
Em 1997,a Irla decidiu realizar o seu 4° Congresso Mundial no Rio de Janeiro,sendo,até aquele momento,o maior congresso organizado pela entidade.Os especialistas vieram da Europa,da Rússia,dos EUA e,claro,da América do Sul.Funcionários da novas democracias europeias particiapam e Cuba enviou um dos seus vice-diretores de assuntos religiosos.A mídia igualmente se interessou pelo evento,assim como o governo brasileiro,que enviou seu ministro da Justiça com uma mensagem do presidente da República.
O interesse dos adventistas na liberdade religiosa provavelmente não encontra equivalente no mundo cristão e tem ligação direta com sua visão escatológica,sua leitura da história e,claro,sua teologia.Contudo,o tema da liberdade se destaca principalmente como resultado da experiência dos advenstistas como minoria religiosa,uma família com pouco mais de 20 milhões de membros que enfrenta desafios à medida que tenta viver suas crenças,entre elas,o descanso do sábado.A história e o presente da Irla são um legado dos adventistas do sétimo dia para o mundo.A defesa de que todos têm direito à liberdade de escolha é uma causa verdadeiramente vivida,encorajada e promovida pela igreja,desde a sede mundial até a mais humilde congregação local.
Lisandro W. Staut é jornalista e está cursando mestrado em Teologia na Universidade Andrews (EUA).